O poder da imprensa hoje
Há cerca de dez dias estou no Brasil, onde acompanhei com atenção as reações de jornais e revistas à vitória do senador Renan Calheiros (PMDB) na batalha por sua cassação.
A revista Veja decorou sua reportagem com capas de jornais de vários cantos do país que falavam da "vergonha" que representava a decisão do Senado. Inúmeras colunas e editoriais condenaram o resultado em favor de Calheiros (prefiro chamá-lo pelo sobrenome, como manda a tradição, já que "Renan" é para mim um ídolo do vôlei brasileiro dos anos 80).
Muitos textos disseram que o episódio mostrava a necessidade de se acabar de vez com o Senado.
A imprensa, em períodos de liberdade de expressão, sempre questionou e pressionou a classe política.
No início dos anos 50, Carlos Lacerda e sua Tribuna da Imprensa conseguiram abalar o governo de Getúlio Vargas, numa crise que culminou com o atentado contra o jornalista/político e o conseqüente suicídio do presidente.
O regime militar pós-64 manteve os jornais sob censura porque acreditava que sua ação livre era um risco à nova ordem autoritária. A imprensa não venceu na luta por Diretas-Já em 1984, mas seu engajamento na campanha garantiu que a eleição de Tancredo e Sarney no ano seguinte fosse a última no Colégio Eleitoral.
A queda de Fernando Collor de Mello se deveu, em muito, à atuação de jornais e revistas que expuseram atos de corrupção em seu governo.
Mas e hoje ? Quem da classe política realmente se importa com o que diz o chamado Quarto Poder?
O senador peemedebista pareceu não se abalar com a revolta exposta pela imprensa nacional. Tampouco o governo federal se viu obrigado a exigir que ele pelo menos se afastasse da Presidência da Casa.
Em seu primeiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva manteve ministros cujas cabeças eram pedidas por jornais durante meses e reelegeu-se presidente mesmo encurralado por grande parte da mídia.
A pressão da imprensa parece não surtir grandes efeitos sobre os caminhos da política brasileira.
Tiragens reduzidas, fragmentação do mercado de mídia, distanciamento entre veículos e público, são várias as razões para o enfraquecimento do poder da imprensa tradicional, fato que não ocorre apenas no Brasil.
Em julho, o The New York Times publicou um editorial defendendo a saída das tropas americanas do Iraque.
Mas, como disse Paul Harris dias depois no britânico The Observer, o impacto do editorial foi mínimo, como se governo e sociedade americanos pouco ligassem hoje para o que pensa o mais importante jornal do país.
"O poder dos jornais de influenciar políticas de governo é muito menor numa era em que pressões políticas parecem vir de canais de notícias de TV a cabo e da internet, via blogs ou o YouTube", escreveu Harris.
Nesta semana, os senadores republicanos reafirmaram apoio à política de George W. Bush no Iraque, e o editorial do NYT segue no esquecimento.
Na Grã-Bretanha, a imprensa popular (os chamados "tablóides") ainda goza de influência significativa.
Muitos creditam parte do sucesso de Tony Blair em seus dez anos como premiê ao apoio do conservador The Sun, de Rupert Murdoch.
Mas o The Sun, com seus 3 milhões de cópias diárias, pode ser visto como exceção. A força de títulos da chamada "imprensa de qualidade" é muito limitada, como bem sabe Blair, que sobreviveu a pressões em vários momentos.
Com a imprensa mais fraca e o leitor cada vez mais cético em relação à política, governantes podem se achar imunes a ataques.
Mas é bom lembrar que jornalismo e informação são maiores do que os veículos que os transmitem e sempre serão capazes de influenciar políticas públicas, em qualquer país.
Se o poder de pressão não está mais nas mãos dos jornais e revistas, isso não significa que ele desapareceu.
Blogs pessoais ? Salas de discussão na internet ?
Não importa. Esse poder estará sempre vivo onde for gerado debate, onde houver questionamento e onde estiver a informação.
Rogério Simões - Blog dos Editores (19-09-2007)
BBC Brasil