New Hampshire
Em 1984, o único diplomata polaco que conheci, que era mais comunista do que polaco, lamentava não podermos todos votar nas eleições presidenciais americanas - não só polacos e portugueses, que vinham a talhe de foice, mas também o resto da humanidade. Nesse Outono, ele teria votado contra Reagan porque Reagan fazia a vida negra a Moscovo. De facto, uma vez reeleito, o quadragésimo Presidente, de súcia com o Papa polaco e recebendo uma mãozinha do homem da "perestroika" e das malas Vuitton, levaria o Império do Mal à glória. O "apparatchik" de Varsóvia, convencido de que havia no mundo muito mais antiamericanos do que anticomunistas e só quem fosse burro ou mal formado se lembraria de gostar de Reagan, imaginava que, se toda a gente pudesse votar, a União Soviética ganharia novo alento e o comunismo escaparia ao caixote do lixo da história. 'Pensamento desejudo' (Gérard Castello Lopes "dixit") do instinto de sobrevivência: seria um dos raros diplomatas polacos saneados depois de 1989.
Numa coisa tinha razão: quem mandar nos Estados Unidos mandará também bastante no resto do mundo, isto é, em todos nós. Há quatro anos, o resto do mundo queria Kerry (à falta de melhor) e os americanos confirmaram Bush. Neste ano da Graça de 2008, depois de Iowa e New Hampshire, sabe-se que a corrida para a Casa Branca é entre Hillary Clinton e Barak Obama pelos democratas e que o escolhido ganhará quase de certeza ao candidato republicano. Se assim for, em Novembro, a preferência americana coincidirá com a preferência da maioria dos europeus. Uma presidência em Washington mais calhada com a Europa do que a de Bush e instalada quando em Berlim e - caso inédito - em Paris, chefes pró-americanos, Merkel e Sarkozy, dominam a cena política, reforçará ambos os lados do Atlântico Norte na competição com o resto do mundo.
Convém, todavia, lembrar duas dificuldades. A primeira requer paciência. Churchill disse: "Podemos fiar-nos em que os americanos tomarão sempre a decisão certa - depois de terem experimentado todas as outras", mas nunca esqueceu que um elo transatlântico forte era essencial para a sobrevivência da Europa - entretanto passou também a sê-lo para a sobrevivência dos Estados Unidos. Em Paris, Edouard Balladur, ex-primeiro ministro, lançou um ensaio intitulado 'Por uma União Ocidental entre a Europa e os Estados Unidos'; a França sonhou muitos anos com uma Confederação Europeia, incluindo a Rússia e deixando os Estados Unidos de fora, e começa a perceber que o sonho era um pesadelo.
A segunda requer visão firme, para impedir que a tentação populista, à flor da pele de muitos políticos, leve os Estados Unidos ao isolacionismo ou que a fobia do capitalismo sacrifique a competitividade europeia - em França, uma 'História do século XX' dada no liceu ensina que o crescimento económico leva à depressão nervosa, a doenças cardiovasculares e talvez até ao cancro; na Alemanha, 47% apoiam os ideais socialistas - contra 36% em 1991. A luta continua.
José Cutileiro