Imagens de sucesso?
Elisa, Ferreira, Eurodeputada
Que está a acontecer aos dois mais jovens estados-membros da União Europeia (UE), recém-chegados em 2007? Foi esta pergunta que justificou a "visita-relâmpago" que a Comissão de Assuntos Económicos do Parlamento Europeu acaba de organizar à Bulgária e à Roménia.
Dir-me-ão, algo justamente, que um dia e meio não dá para "aprender" nada; essa foi também a reacção dos meus inesperados companheiros de viagem no avião de Bruxelas para Sófia uma comitiva de 20 elementos da equipa de Futsal do Benfica, únicos portugueses a bordo e com os quais - acreditem ou não! - tive interessantes conversas sobre temas completamente laterais às nossas inultrapassáveis diferenças clubistas.
De todo o modo, e ao invés daquela expectativa minimalista, foi possível que na quarta-feira, em entrevistas sucessivas de uma hora rigidamente gerida, falássemos em Sófia com o ministro das Finanças, o ministro da Reforma Administrativa, o governador do Banco Central, as principais centrais sindicais, a Comissão Parlamentar de Economia e Finanças, o supervisor do Mercado dos Valores Mobiliários e a Associação dos Bancos da Bulgária; e que realizássemos, no dia seguinte, um programa semelhante em Bucareste. No final, o conhecimento não será profundo mas ficam primeiras impressões suficientemente completas para ajudarem a estruturar uma razoável leitura das realidades em presença.
Começo por sublinhar que, quer a qualidade dos núcleos urbanos (dos monumentos às eternas lojas de marca nas grandes artérias) quer a desenvoltura e atitude dos responsáveis políticos, em nada correspondem ao que se poderia esperar de dois países cuja riqueza pouco ultrapassa 1/3 da média da UE (35.7% e 36.3%, respectivamente, para a Bulgária e Roménia em 2006) e cujos índices de corrupção figuram, juntamente com os da Polónia, entre os mais elevados da UE. Por outro lado, todos temos memória da enorme crise social e económica que acompanhou ambos os países na sua trajectória de passagem, durante a década de 90, de economias planificadas para economias de mercado. A título ilustrativo, refira-se que, na Bulgária, em 1997, a inflação atingia 1061%, a taxa de câmbio da moeda local face ao dólar deslizava 600% e vários bancos declaravam-se falidos; dez anos passados, o panorama é de estabilidade, registando-se um excedente orçamental acima dos 3% e uma taxa de crescimento da riqueza nacional acima de uns invejáveis 6% (situação idêntica à da Roménia).
Seria de esperar que tal evolução tivesse gerado uma sensação de conforto e optimismo ou, mesmo, um surto de popularidade e entusiasmo em relação a uma UE que, não tendo sido a protagonista desse desempenho, claramente contribuiu para esta nova etapa de relativa prosperidade. Surpreendentemente, deparámo-nos com o contrário o discurso crispado dos parceiros sociais, sindicatos em particular, e as tensões sociais e políticas internas justificam uma sensação generalizada de frustração em relação ao momento actual (englobando a UE e totalmente compatíveis com os níveis baixíssimos de participação nas eleições europeias).
Mais em detalhe, acaba por verificar-se que a aproximação e concretização da adesão gerou, ao mesmo tempo que um redireccionamento das relações comerciais dos tradicionais parceiros do Leste Europeu para os da UE, um surto de importações imparável e que as exportações têm crescentes dificuldades em acompanhar. Por outro lado, as empresas estrangeiras instalam-se no mercado e provocam subidas espectaculares no preço dos imóveis e controlos integrais de alguns sectores - na Bulgária, por exemplo, mais de 95% do sector bancário e de 80% do sector segurador são dominados por capital estrangeiro. Segundo os sindicatos, o estado dos serviços públicos sociais, de educação e de saúde faz recordar com saudade tempos idos que prefeririam poder esquecer rapidamente; entretanto, e enquanto os salários dos lugares de responsabilidade nas grandes companhias atingem os níveis de Londres ou Bruxelas, o salário mínimo búlgaro é de 90 euros mensais e o romeno de 100; acresce que a emigração faz sair os mais qualificados (às centenas de milhar), enquanto emigrantes e empresas mais ou menos clandestinos, sobretudo de origem turca e chinesa, vão entrando no mercado local com salários ainda mais baixos. E, dos abundantes fundos estruturais a que ambos têm direito, não há qualquer sinal nem evidência
Uma nota adicional quanto ao tema quente das agendas políticas depois de a Roménia ter adoptado uma taxa única de 16% sobre os rendimentos, quer das sociedades quer das pessoas (independentemente do escalão de rendimentos), chegou a vez de a Bulgária se preparar para fazer o mesmo (falta apenas a aprovação do Parlamento) mas, desta vez, a um nível de 10%. Perguntam-nos, a propósito: "Não é a Europa um espaço de concorrência e os impostos uma matéria de autonomia nacional?" E adiantam, nessa linha: "Nós limitamo-nos a jogar o jogo segundo as regras; e está a resultar"!
Tudo isto dá que pensar e requer resposta cabal no quadro da UE. Também aqui, este espaço de integração à escala regional/continental tem de ser capaz de conseguir compatibilizar a afirmação do seu peso internacional com as aspirações de ascensão social dos cidadãos que a compõem. Um desafio que continua na ordem do dia!
Elisa Ferreira escreve no JN, semanalmente, aos domingos