O país precisa de um detector de mentiras

O país precisa de um detector de mentiras ?

Na troca de declarações públicas a palavra mentira será aquela que, nestes últimos tempos, ganhou lugar mais destacado. Pronunciada com todas as letras ou por interpostos eufemismos, como, por exemplo, «Vossa Excelência não está a dizer a verdade», esta designação tem sido atribuída de modo veemente e fácil a notáveis actores na vida pública portuguesa. Ouviu-a o primeiro-ministro, José Sócrates, no recente debate sobre a apresentação do Orçamento, na Assembleia da República. Têm-na escutado vezes sem conta os ministros da Saúde, da Educação, ou das Obras Públicas.

Num outro plano, esse epíteto tem marcado forte presença na defesa das diferentes teses sobre onde colocar o novo aeroporto de Portugal ou por onde fazer passar o TGV. Neste ponto, o veredicto de falsidade (mentira tem por sinónimo falsidade) tornou-se de uso corrente entre representantes das associações que mandaram fazer estudos sobre Ota e Alcochete ou sobre aqueles que terão a responsabilidade da decisão. Aliás, esta situação causa uma certa perturbação pois estes senhores normalmente usam botões de punho e gravata e sabem assumir cortesia social.

Nem vale a pena falar no mundo do desporto, ou muito particularmente no do futebol, onde as designações ofensivas ou de descrédito entre os protagonistas desta senda são comuns.

Quando era pequeno, os meus pais ou professores diziam-me se te apanhamos a mentir, metemos-te pimenta na boca. (E era uma daquelas pimentas de origem oriental da família das piperáceas que ardiam que se fartava). Mentir era considerado um acto social grave, que distorcia qualquer harmonia comunitária, e minava carunchosamente as relações entre as pessoas.

Os tempos são outros. E na arena política ou no gramado das lutas pelos interesses dos diferentes grupos de pressão a linguagem, em termos de disputa acirrada, vulgarizou-se, inflacionou-se de tal modo, que chamar mentiroso a este ou àquele ou àquela é comportamento banal. O que interessa é desacreditar o adversário. E, portanto, dar atenção a isso pode ser da minha parte um certo sentimento profundo de um bota-de-elástico.

Aquilo que me causa apreensão é verificar quanto esta acusação fácil e comum de mentiroso para cá e mentiroso para lá é sintoma de um clima de desconfiança profunda que transpira nas actuais relações sociais do país.

Ouvir por exemplo o "Fórum" da TSF ou o "Antena Aberta" da Antena 1 e sentir os nomes ou as qualificações com que se atinge de cima a baixo personalidades responsáveis no tablado social e político transmite uma sensação desagradável de que cada vez menos há quem acredite em quem.

E isso é que me parece grave. Não é o campo aberto de discussão ou da defesa acérrima das diferentes posições face aos interesses. Tal estado de opinião é um indicador de pujança democrática. É o clima geral da manifesta desconfiança de uns dos outros, é esta presunção da mentira eleita como síndrome da convivência entre cidadãos do meu país, que me perturba. O modo envenenado como se tem discutido a questão da localização do novo aeroporto ou do futuro da empresa Estradas de Portugal ilustra bem esta situação.

Para repor os níveis de confiança, além de muitas outras coisas, entre dinheiro, engenho, imaginação, o país precisa urgentemente de um detector de mentiras.

Paquete de Oliveira escreve no JN, semanalmente, às quintas-feiras

Para o mentiroso SOCRATES,nao e necessario, porque estao publicadas!!!