Das Áfricas
Porque sou a favor da cimeira deste fim--de-semana, quando sei que de pouco ou nada adiantará? Porque os dramas do mais sofrido dos continentes devem adquirir visibilidade. E porque se as más decisões se tomam com ou sem cimeira, as boas, mesmo limitadas, precisam dela.
Na verdade, é a agenda europeia que domina o encontro. Bruxelas quer maiores quotas de mercado, controlo da imigração ilegal e alinhamento estratégico dos dois continentes. Mesmo que os problemas de África se declinem de outro modo: fome, doença, guerras, subdesenvolvimento…
Mercados: Bruxelas quer fechar, até 31 de Dezembro, Acordos de Parceria Económica (EPA’s) com as várias áfricas de África. Eles visam derrubar as barreiras aduaneiras. Porque a Organização Mundial do Comércio manda; e porque a Europa já dá preferência às exportações africanas. Justo? Não é. A África exporta energia, pedras preciosas e pouco mais; em contrapartida, a Europa passa a poder exportar sem taxas tudo o que por lá tenha mercado. Como quase tudo faz falta, é Golias contra David.
Bruxelas prevê um programa de apoio à competitividade, estimado entre 1,2 mil milhões e 2 mil milhões de euros/ano, até 2010. Mas esta compensação é limitada no valor e no tempo; em contrapartida, as perdas de receita fiscal são duráveis. Com orçamentos minguados ou se reabre o ciclo da dívida ou se contraem as despesas. Adivinhe onde…
Duas décadas após a integração, Portugal ainda receberá, entre 2007 e 2013, cerca de 24 mil milhões de euros. Compare os números, a extensão de territórios e o patamar de partida…
Dir-me-ão: apesar de tudo, comércio é desenvolvimento. Depende. Porque sem desenvolvimento a África não chegará ao comércio equitativo.
O mercado não é parvo. Brilha onde pode e oculta-se onde não deve. Onde dois terços são pobres, o import/export dirige-se às elites. Angola cresce 24 por cento ao ano. Como se distribuem as mais-valias do petróleo? Entre os accionistas das companhias e as contas da Suíça de quem concessiona. Para os pobres ficam as migalhas. Ao invés, porque não investem as farmacêuticas na cura da malária? Porque quem a contrai raramente pode pagar.
Portanto, desenvolvimento: a Europa é o maior dos doadores. Tudo somado, o apoio deve andar pelos 25 a 30 mil milhões de euros. Mas… boa parte deste investimento não fica em África; outra fracção apoia a sobrevivência, mas não o desenvolvimento local e sustentado; e quanto ao remanescente, bom seria que estivesse subordinado a escrutínio mais transparente.
No papel todos concordam. A África precisaria de good governance. De facto, precisa. Mas quem decide do que isso é? Quem empresta e doa. E quem, para o fazer, quer investimento com retorno, orientação das reformas e garantias de alinhamento internacional. O conceito é simpático, mas não é ingénuo. Se as empresas europeias fossem legalmente obrigadas a dizer quanto pagam e a quem, para garantirem o seu investimento, faríamos progressos. Mas isso seria quebrar a alma do negócio. É sempre mais fácil apontar o dedo aos corruptos.
Publicado por MiguelPortas | 2 Comentário(s)