Pela educação. Contra esta reforma.

Vejo, da janela, uma cena corriqueira. Uma mulher com “bom ar” estaciona o jeep BMW em cima do passeio, na perpendicular ao sentido de quem tenha de subir ou descer a rua. O carro ocupa todo o espaço que vai do alcatrão ao renque de alfazemas. Tendo de contornar o obstáculo, quem for a pé vê-se obrigado a descer para a faixa de rodagem. Se for de cadeira de rodas, idem, com dificuldade acrescida. Do jeep sai uma mulher aparentando 30 e tal anos, acompanhada de três crianças ruidosas, com talvez 11, 9 e 7 anos. O jeep ficou em cima do passeio (a rua tem lugares de estacionamento disponíveis) porque a mulher deve achar que estacionamento pago é coisa de pobres. Não terá sido a primeira vez que o fez, aqui e noutros lugares. As crianças habituam-se a ver os pais a fazer estas coisas. Se os pais fazem, é porque se pode fazer. As crianças dos “pobres” habituam-se a que as mães exijam para eles lugar sentado nos transportes públicos — «Não está a ver a criança!?»; a criança... é um matulão ou uma matulona com 12 anos, a salivar por um lugar para manobrar a PlayStation —; e as dos “ricos” desde cedo intuem que o espaço público é uma selva onde tudo lhes é permitido. Um dia, estas crianças são despejadas em escolas que têm professores tão progressistas que até os deixam ouvir música no telemóvel. Naturalmente, nenhuma está preparada para perceber (confesso que eu também não) a diferença entre poder ouvir (nas aulas) Fell in love with a dead boy por Antony and the Johnsons, mas não poder atender uma chamada de casa. O que é que o jeep estacionado em cima do passeio tem a ver com isto?

Da literatura