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 Reformas por decreto, onde?

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MensagemAssunto: Reformas por decreto, onde?   Reformas por decreto, onde? EmptySáb Mar 29, 2008 5:14 am

A política da
Educação e a educação da política


Luís Filipe Torgal|
2008-03-06




Ainda que mal
pergunte: existe algum país democrático onde um Governo tenha desejado e
conseguido instituir uma reforma em qualquer das suas áreas vitais sem a
participação maior ou menor dos seus protagonistas?




Sou e sempre fui
professor a tempo inteiro e dedicação exclusiva e ainda tenho a paixão por
trabalhar na sala de aula com os meus alunos. Sou também pai de uma aluna que
frequenta a escola pública. Nunca fui militante de nenhum partido (embora não
consiga imaginar uma alternativa ao sistema democrático partidário) e não me
move, por isso, como diz invariavelmente o primeiro-ministro, sempre que ocorre
uma manifestação contra a sua política, uma intenção de luta partidária ou
sindical, como se tal comportamento fosse um crime de lesa-democracia. Fiz a
minha formação académica superior (nove anos: licenciatura, estágio no ramo
educacional e mestrado) na Universidade de Coimbra e considero-me defensor do
rigor e da exigência na educação. É justamente em nome desses valores que desejo
aqui desmistificar o conteúdo e a forma das políticas educativas do Ministério
da Educação (ME).

1. Esta redentora ministra da Educação optou por
legislar em catadupa sem nunca ouvir os professores. Desautorizou as escolas e
execrou os seus docentes, desprezou os pareceres do consagrado Conselho Nacional
de Educação e abjurou as opiniões de todas as associações profissionais de
professores. Ainda que mal pergunte: existe algum país democrático onde um
Governo tenha desejado e conseguido instituir uma reforma em qualquer das suas
áreas vitais sem a participação maior ou menor dos seus protagonistas? Alguém
acredita que seja possível e legítimo implementar em Portugal reformas, por
exemplo, nos sectores da Saúde e da Justiça à revelia das opiniões de médicos,
enfermeiros, juízes e advogados?

2. Este ME, porque desprezou as opiniões
dos professores, engendrou, unilateralmente, um sistema de avaliação de docentes
kafkiano, perverso e impossível. É kafkiano porque não são claros os objectivos
e os critérios de avaliação basilares exigidos e, por isso, as grelhas de
avaliação instituídas são tão labirínticas e herméticas que transformam o mais
meritório e excelente professor (avaliador e avaliado) num frustrado, taciturno
e, nos casos mais patológicos, prepotente escriba. É perverso porque,
tratando-se de um modelo de avaliação arrevesado, desgastante e controverso,
deveria primeiro ser discutido, experimentado e corrigido, e não iniciado de
modo impetuoso a meio de um ano lectivo; é perverso porquanto põe professores de
áreas disciplinares diferenciadas e em muitos casos com competências científicas
e pedagógicas inferiores a avaliar os seus pares; é perverso porque põe ao mesmo
nível e condiciona a avaliação de professores de áreas disciplinares tão
heterogéneas como Educação Física, Educação Tecnológica, Introdução às
Tecnologias da Informação e da Comunicação, Educação Moral e Religiosa Católica,
Matemática, Ciências, Português ou História pelas classificações académicas dos
seus alunos; é perverso porque admite que a avaliação dos professores possa ser
condicionada por pais e encarregados de educação, os quais, salvo honrosas
excepções, mal conhecem os professores, raramente vão às escolas e quase sempre
responsabilizam os docentes pelos erros dos filhos e deles próprios; em última
análise, é perverso porque, a médio prazo, vai, inevitavelmente, criar nas
escolas um ambiente de forte crispação e extorquir aos docentes ainda mais tempo
e tranquilidade para aquilo que eles têm a obrigação de fazer melhor: preparar
aulas e leccionar. É impossível porque muitos docentes titulares terão tantos
professores para avaliar que não irão conseguir conciliar no seu horário lectivo
as aulas leccionadas nas suas turmas com as aulas assistidas nas turmas dos
professores avaliados; é impossível porque não existem inspectores disponíveis
com formação científica adequada para avaliar os professores titulares
avaliadores de todas as disciplinas.

3. Este ME engendrou,
unilateralmente, um novo diploma de gestão escolar que limita a democracia
directa nas escolas públicas. Na prática, suspeito que a autonomia das escolas
continuará a não passar de mera retórica. Entretanto, aumentam perigosamente os
poderes do Director (antigo presidente do Conselho Executivo), que deixará de
ser votado em eleições directas maioritariamente pelos seus pares. O Conselho
Pedagógico passa a ser nomeado pelo Director e terá apenas poderes consultivos,
facto que pulveriza o princípio do primado das questões pedagógicas e
científicas sobre as questões administrativas (será esta a estratégia admirável
forjada pelo ME para abrir caminho às tais lideranças fortes?!). Os professores
perdem a maioria no Conselho Geral (antiga Assembleia de Escola) - que, entre
outras funções, elege o Director - em nome de uma suposta abertura inovadora das
escolas às autarquias e à comunidade local. Isto apesar de todos sabermos que
esta velhíssima e até hoje quase impraticável aspiração esteve sempre
contemplada no sistema ainda em vigor: com efeito, a ainda actual Assembleia de
Escola já integra vários elementos da autarquia e da comunidade local que, como
a realidade tem demonstrado à saciedade, são em regra incapazes ou estão
indisponíveis para participarem de forma mais empenhada e criativa nas escolas.
Por outro lado, os agrupamentos de escolas passam também a depender do poder dos
autarcas, os quais agem muitas vezes movidos por interesses arbitrários e são
não menos vezes desprovidos de sensibilidade, de cultura e de conhecimentos
científicos e pedagógicos para interferirem de forma francamente positiva nos
destinos destas instituições.

4. O novo estatuto do aluno decretado quase
a meio do ano lectivo determina que, em nome do combate ao insucesso escolar, os
estudantes dos ensinos Básico e Secundário não reprovem por faltas
injustificadas. Doravante, estes irão poder comparecer nas aulas quando lhes
aprouver e depois fazer sucessivas provas de recuperação nas disciplinas onde
forem acumulando excesso de faltas. A ideia é peregrina, e é o mínimo que
apetece dizer: desresponsabiliza os alunos e os seus encarregados de educação;
potencia actos de indisciplina e de total absentismo que constituem já o drama
cada vez mais insuportável de tantas escolas; responsabiliza e desautoriza os
professores e até parece não compreender que tais alunos só providos de
inspiração divina poderão reunir condições mínimas para alinhavarem as respostas
às questões enunciadas nas provas atrás mencionadas.

A maior parte da
legislação produzida por este ME tem apenas um propósito: aumentar rapidamente o
sucesso educativo através da burocratização sistemática das escolas (como se
educar significasse burocratizar); manter os alunos todo o dia fechados em
escolas vedadas e, em demasiados casos, nada aprazíveis, bem como converter
estes locais em "fábricas" capazes de produzir em massa e com menos dinheiro um
sucesso educativo formatado e desalmado - como se o complexo sistema educativo
das escolas portuguesas pudesse ser decalcado por decreto pelas cartilhas
tecnocráticas que determinam a organização de uma qualquer empresa
capitalista...

Mas, como é depois possível que a melhoria do sucesso
educativo vislumbrado nas estatísticas possa coincidir com o sucesso científico,
educacional, técnico e artístico intrínseco obtido por cada aluno?
Decididamente, esta é uma questão que os amanuenses do ME, a sua infalível
ministra e o rigoroso engenheiro Sócrates desprezam e devolvem aos professores.
De facto, esse não é um problema digno de ocupar os espíritos dos governantes
portugueses, os quais vivem tragicamente divorciados do mundo real e são
desprovidos de qualquer imaginação e sentido prospectivo.

Entretanto,
enquanto estes se entretêm com as suas diáfanas jogadas políticas, os
professores lá vão continuando a desenvolver estoicamente o seu trabalho de
campo em condições cada vez mais insuportáveis - turmas mais numerosas; alunos
mais desmotivados e mal-educados; apoio psico-pedagógico insuficiente prestado
aos alunos necessitados; professores com horários de trabalho formais mais
repletos, mais níveis, mais turmas, mais alunos e menos horas semanais para
leccionar a cada turma; burocracia inútil e esquizofrénica (torrentes de
reuniões, mais grelhas, matrizes, relatórios, actas, planificações, planos
educativos e uma panóplia de outros documentos inenarráveis para elaborar);
nenhum tempo para pensarem e planificarem as aulas; nenhum tempo para
actualização científica; tempo e paciência esgotados para descodificarem a
forma, o conteúdo e o alcance metafísicos das sucessivas leis evacuadas pelo ME;
serões perpétuos passados a elaborarem e corrigirem resmas de fichas de
avaliação; ambiente escolar mais arrebatado e, em certos casos, violento;
indisponibilidade de tempo para a família.

Quando estará este Ministério
da Educação disponível para reflectir e debater com os professores as questões
de fundo e disfunções da escola pública (currículos, programas, práticas
pedagógicas, a obscena burocracia em que as escolas soçobraram, qualidade e
caminhos do ensino profissional, obviamente, processos de formação e avaliação
de professores, etc.)? Até quando estarão os professores dispostos a consentir
que a arrogância e o folclore pseudo-reformista das políticas educativas deste
Governo abastardem irremediavelmente as suas vidas e penhorem o futuro do
País?

Diria para terminar, à maneira de síntese, que esta política de
educação imposta num tempo de crise desperta-nos para uma máxima fundamental e
urgente (antes que seja tarde...): é preciso educar a política ("esta
politica"... escrita em minúscula), é urgente que os políticos sejam educados. A
política em democracia não é uma arte do poder, à maneira maquiavélica, mas é um
exercício de rigor e de diálogo, é uma vivência de cidadania.


Luís Filipe
Torgal

Professor de História do
3.º ciclo do Ensino Básico
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