Investigação: Financiamento partidário
PS recebeu dinheiro de empreiteiros
Durante dois anos, a Polícia Judiciária de Coimbra investigou à lupa os negócios de Luís Vilar, dirigente e autarca socialista naquela cidade. E descobriu que o vereador, sem pelouro e sem ordenado na Câmara, conseguiu nos últimos anos amealhar uma fortuna invejável.
No processo, que o CM consultou, é evidenciado que Vilar era o homem do “dinheiro” em Coimbra, o principal “financiador” do PS, ao ponto de Vítor Baptista, candidato à presidência, precisar que aquele fosse avalista da sua campanha.
Foi feita uma livrança de 100 mil euros para que a mesma se concretizasse, tendo ainda Vilar emprestado 20 mil euros ao candidato a presidente. Os negócios foram investigados e embora o MP acabasse por propor o arquivamento de muitos destes casos, uma verdade tornou-se evidente. As cumplicidades no poder local geram compadrios difíceis de entender.
Designadamente como é que os empresários com negócios pendentes na autarquia, emprestam ou pedem emprestado dinheiro a vereadores. E como de forma ilegal se financiam campanhas eleitorais, na expectativa de favores futuros.
Pediu dinheiro a empreiteiroO empresário Emídio Mendes conseguiu construir um lote de prédios com um andar a mais do que o previsto, nos Jardins do Mondego, em Coimbra. A investigação feita pela PJ encontrou também estranhas ligações daquele empreiteiro a Luís Vilar. Primeiro foi financiador confesso da campanha do PS em dez mil euros – sem ter recebido recibo – depois entregou uma quantia não determinada ao vereador para que reformasse as letras que havia feito para emprestar a Vítor Baptista.
Está tudo nas escutas telefónicas e as explicações dadas pelos envolvidos não batem certo. Emídio Mendes confessa efectivamente ter dado dez mil euros a Vilar, mas ao PS só chegou metade. O recibo, no entanto, não foi passado em nome do empreiteiro, mas sim do autarca, que passou por benemérito.
Depois, Vítor Baptista diz desconhecer os pedidos subsequentes feitos por Vilar junto de Emídio Mendes para que aquele lhe desse mais dinheiro. O autarca parecia preocupado com a livrança que precisava de ser reformada, mas o empreiteiro tentava esquivar-se. Diz a PJ que ainda lhe deu uma segunda quantia, em montante que não conseguiu determinar, num encontro que foi vigiado pelos investigadores.
No final da investigação, o negócio, que para a PJ configurava um caso de tráfico de influências, já que Luís Vilar acabou depois por ter intervenção na construção dos prédios, foi arquivado.
CARTA ANÓNIMA NA ORIGEMA investigação teve origem numa carta anónima dirigida à Procuradoria-Geral da República. O visado era Luís Vilar e no documento dava-se conta de sinais de riqueza que não coincidiam com o seu modesto ordenado. Vereador sem pelouro, o autarca auferia apenas cerca de 1000 euros por mês, da reforma do Sindicato dos Bancários, mas a forma como mudava de carro deixava todos boquiabertos.
PJ FEZ VÁRIAS VIGILÂNCIASAntes de iniciar a investigação propriamente dita, a Polícia Judiciária de Coimbra, a quem foi distribuído o processo, fez várias vigilâncias ao autarca. O seu dia-a-dia está todo registado em fotografias anexas aos autos, tendo os investigadores verificado que muitas das denúncias tinham consistência. Daí partiram para as escutas telefónicas e depois para as buscas domiciliárias aos envolvidos.
PORMENORESQUE NÃO FALASSEAntónio Cordeiro, vereador do PS, diz que quando soube que Emídio Neves tinha construído um prédio com mais um andar afirmou que iria questionar o executivo social--democrata. Mas recorda-se que nessa altura Vilar pediu-lhe que não o fizesse, embora não lhe tivesse revelado o motivo.
PEDIR DINHEIROAs escutas telefónicas, que o CM foi proibido de publicar sob pena de incorrer no crime de desobediência, revelam pedidos de dinheiro do autarca ao empreiteiro. Há outros negócios do género também investigados pela Polícia Judiciária de Coimbra e constantes do processo que o CM consultou. O MP só levou para acusação o caso envolvendo a Bragaparques, por haver uma relação directa entre a intervenção de Vilar e o dinheiro entrado na sua conta.
FOTOCÓPIA DO CHEQUEOs 20 mil euros emprestados a Vítor Baptista foram-no através de um cheque. Para comprovar que o havia feito, Vilar guardou a fotocópia do mesmo, apreendida pela PJ quando foi feita a busca a sua casa.
BRAGAPARQUES 'EMPRESTOU' 50 MIL EUROS A LÍDER DA CONCELHIADuas versões para uma história que assenta no depósito de 50 mil euros, em dois cheques, na conta do vereador e líder da concelhia do PS Luís Vilar. O Ministério Público assegura que se tratou de um caso de corrupção (e acusou Domingos Névoa, da Bragaparque, e o autarca socialista do crime de corrupção na forma passiva e activa), enquanto os envolvidos garantem que foi apenas um empréstimo. Luís Vilar precisava de dinheiro para um negócio, que depois acabou por não concretizar, e pediu ao amigo empresário que lho adiantasse. Domingos Névoa teria-o dado ao “amigo” vereador e António Vilar devolveu-lho, passadas algumas semanas, mas em dinheiro e sem hipótese de o comprovar.
O procurador público que assina a acusação diz exactamente o contrário. Na altura em que os cheques entraram na conta do autarca, (Março de 2002), ainda estava em discussão a construção de um parque de estacionamento construído pela empresa, em Coimbra. A Bragaparques adquirira um terreno em hasta pública e conseguira, em clara violação do regulamento camarário, adquirir um segundo lote para um parque de dimensões anormais.
Luís Vilar também não conseguiu explicar às autoridades por que é que pediu o dinheiro emprestado ao empresário. Afinal, os extractos das suas contas nos três meses anteriores e posteriores mostram saldos de 110 mil euros. Nesse mesmo período de tempo, Luís Vilar também fez aplicações financeiras de 550 mil euros, numa altura em que, segundo o próprio, precisava que Domingos Névoa lhe emprestasse os 50 mil euros.
JUNÇÃO DOS LOTES VIOLA REGRASA PJ investigou o negócio à volta da construção do parque de estacionamento na zona do Bota Abaixo, no Largo das Olarias, em Coimbra. E verificou que em 1999 foram alienados dois terrenos naquela zona, só tendo a Bragaparques conseguido comprar um deles. Pode depois ler-se no processo que “contra os termos do regulamento do concurso”, a Bragaparques conseguiu juntar os dois lotes, promovendo a construção de um parque de estacionamento de maiores dimensões. Com este negócio obteve elevados lucros que foram indevidos por os terrenos terem sido adquiridos a baixo custo.
MERCEDES COMPRADO A NÉVOAUma carrinha Mercedes Vito foi comprada por Luís Vilar a Domingos Névoa. Foi colocada em nome de um seu familiar, mas foi usada pelo PS durante a campanha. O vereador só a pagou seis meses depois.
TERRENOS DA SEGURANÇA SOCIALAs escutas do processo revelam um estranho negócio em preparação, envolvendo Névoa e o director do Centro Distrital da Segurança Social. O vereador mediou o encontro, mas o negócio não se fez.
VEREADOR RECUSOU SUBORNODomingos Névoa é acusado de corrupção em outro processo mediático, que corre na comarca de Lisboa. O alegado beneficiado seria José Sá Fernandes, vereador do Bloco de Esquerda, e a proposta de suborno terá sido feita ao seu irmão, o advogado Ricardo Sá Fernandes. As conversas foram gravadas e o Ministério Público ordenou a detenção de Domingos Névoa, por tentativa de suborno no caso Parque Mayer. O empresário nega-o e contesta a validade das escutas feitas pelas autoridades.
NOTASCINCO ARGUIDOSO processo teve durante a investigação cinco arguidos. Além de Vilar e Névoa adquiriram essa qualidade Emídio Mendes, José Luís Macedo e Pedro Garcez
INSTRUÇÃO ADIVINHA-SELuís Vilar e Domingos Névoa, os únicos acusados, vão requerer a abertura de instrução que vai decorrer nos próximos meses em Coimbra
CM CONSULTOU PROCESSOO CM consultou o processo que se encontra ainda no Ministério Público de Coimbra e que, de acordo com a nova lei, já não está em segredo de justiça
CM (29-10-2007)