Pedofilia: acusa ex-monitor do Lar de São Marçal da Casa Pia
Menina surda-muda vítima de abusos
O Instituto Jacob Rodrigues foi dirigido por Maria Augusta Amaral
Pela segunda vez na história do processo Casa Pia, uma menina, Marta (nome fictício), vai estar num tribunal para, com ajuda de um intérprete, acusar o arguido Arlindo Monteiro Teotónio de abuso sexual. O julgamento, à porta fechada, começa no dia 11, no Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa. O juiz Sérvio Corvacho agendou apenas três sessões para ouvir as testemunhas e as alegações finais dos advogados das partes envolvidas.
Além de Marta, o ex-monitor do Lar de São Marçal também é acusado de abusos por um jovem, Miguel (nome fictício), que no processo principal apontou o dedo a Carlos Silvino, ‘Bibi’.
Marta e Miguel são surdos-mudos. Arlindo Monteiro Teotónio é surdo profundo. Todos passaram pela Casa Pia como alunos internos.
De acordo com a acusação, os factos relativos a Marta aconteceram em 1998, quando a jovem tinha dez anos. Já em relação a Miguel, o Ministério Público (MP) diz que os abusos também começaram em 1998, quando o ofendido tinha dez anos, e prolongaram-se até 2001. Durante três anos, segundo o MP, Arlindo Monteiro Teotónio abusou de Miguel em, pelo menos, mais de 30 ocasiões.
Em 2001, o arguido abandonou a Casa Pia sem que tenha sido alvo de qualquer processo disciplinar. Como na altura o Lar de São Marçal era tutelado pelo Instituto Jacob Rodrigues Pereira, o MP equacionou a possibilidade de incriminar, por omissão, a directora, Maria Augusta Amaral, e o seu assessor, Amândio Coutinho, mas os factos apurados não o permitiram. Diz a acusação que durante a investigação não foi possível saber “com rigor e em concreto a data em que os abusos sexuais terão sido levados ao conhecimento da direcção” do Jacob Rodrigues e “quais os contornos em que os mesmos foram relatados, sendo certo que a revelação de actos pedófilos na Casa Pia de Lisboa teve lugar em finais de Novembro de 2002”.
O CM apurou que, como tem acontecido nos restantes processos da Casa Pia, a antiga provedora Catalina Pestana deve ser ouvida em julgamento como testemunha dos dois jovens que acusam Arlindo Monteiro Teotónio.
O ex-monitor responde em tribunal por 32 crimes: 31 de abuso sexual de crianças na forma consumada e um na forma tentada.
TESTEMUNHAS E VÍTIMAS
Das 23 testemunhas arroladas pelo Ministério Público que vão depor no julgamento de Arlindo Monteiro Teotónio, solteiro, empregado de armazém, nascido na freguesia de Sé Nova, concelho de Coimbra, no dia 15 de Dezembro de 1977 (29 anos), o CM sabe que pelo menos sete (todas raparigas) também são alegadas vítimas de abusos do ex-monitor da Casa Pia. No entanto, de acordo com a acusação, apenas no caso de Marta a queixa foi apresentada nos prazos previstos pelo Código de Processo Penal.
Algumas das jovens que se queixaram ao MP relataram factos que ocorreram quando Arlindo Monteiro Teotónio ainda não exercia o cargo de monitor do Lar de São Marçal, para o qual só foi admitido em Outubro de 2000.
VÍTIMAS DESDE OS 10 ANOS
Arlindo Monteiro Teotónio tentou abusar sexualmente de Marta no Lar de São Marçal em 1998. Na altura, segundo o Ministério Público, a jovem surda-muda tinha 10 anos e o ex-monitor, 20 anos.
“Durante a noite, e aproveitando-se do facto de toda a gente estar a dormir, o arguido dirigiu-se ao quarto da menor que se encontrava deitada na cama. (...) O arguido agarrou-a com força, impedindo-a de se libertar. A menor debateu-se e para a manietar, o arguido deu-lhe bofetadas a fim de a imobilizar, o que conseguiu. De seguida, o arguido baixou as calças que tinha vestidas e encostou o seu pénis erecto no ânus da menor, com o intuito de nele o introduzir. (...) A determinada altura, a menor conseguiu libertar-se e fugir do quarto. A menor ficou muito perturbada com o que aconteceu, só mais tarde tendo relatado os factos.”
Quanto a Miguel, o Ministério Público diz que o primeiro abuso que sofreu de Arlindo Monteiro Teotónio aconteceu também em 1998, na cozinha do Lar de São Marçal. Miguel tinha 10 anos.
“Aproveitando-se do facto de não estar ali ninguém, o arguido empurrou o menor para dentro da cozinha e disse-lhe que queria fazer sexo com ele. O menor disse que não e o arguido ficou muito alterado. Então, com medo do que o arguido pudesse fazer, uma vez que este era tido como pessoa bastante agressiva, o menor acedeu a tal, tendo o arguido introduzido o seu pénis erecto no ânus do menor, aí o friccionando até ejacular.”
Só na sequência do processo de pedofilia da Casa Pia, em 2003, Miguel contou às autoridades os abusos que sofreu de Arlindo Monteiro Teotónio, entre 1998 e finais de 2001.
PERSONALIDADE VIOLENTA
Arlindo Monteiro Teotónio é descrito na acusação do Ministério Público (MP) como uma pessoa agressiva e violenta.
O ex-monitor do Lar de São Marçal está proibido de contactar as testemunhas do processo em que é arguido e de se acercar da Casa Pia.
Diz o MP que há o fundado perigo de Arlindo, por si ou por interposta pessoa, tentar levar as testemunhas a alterarem os depoimentos
Nas declarações que prestou sobre os abusos de que foi vítima em 1998, no Lar de São Marçal, Marta disse às autoridades que o monitor Arlindo Teotónio desferiu-lhe várias bofetadas e que só assim a conseguiu imobilizar.
CRIANÇAS LIVRES DE CONDENADOS
Conde Rodrigues, secretário de Estado da Justiça, disse ontem que Portugal está a cooperar a nível internacional para combater o abuso sexual de crianças.
A recente alteração ao Código Penal introduz já a inibição do exercício de uma profissão com crianças sempre que alguém seja condenado por abuso de menores.
PAULO R. É TESTEMUNHA
O Ministério Público (MP) arrolou o educador Paulo R. como testemunha no processo contra Arlindo Monteiro Teotónio.
Paulo R. está suspenso da Casa Pia por ter levado jovens da instituição ao ateliê dos escultores Carlos Amado e Lagoa Henriques.
Segundo o MP, o educador também foi investigado, mas nenhum jovem se queixou dele.
HISTÓRIA "INVENTADA" PELOS JOVENS
Maria Augusta Amaral, ex-directora do Instituto Jacob Rodrigues, disse à Polícia Judiciária, em 2003, que ficou com a “íntima convicção” de que Miguel inventou os abusos de Arlindo Teotónio.
NOTAS
PRIMEIRA MENINA
A primeira menina vítima de abusos sexuais na Casa Pia que depôs em julgamento foi no caso de Luís Godinho, ex-monitor condenado a 16 anos de prisão.
DIRECTORA SOUBE EM 2001
Maria Augusta Amaral, ex-directora do Instituto Jacob Rodrigues, disse à PJ que soube das denúncias sobre Arlindo em 2001 e que não as relatou às autoridades.
INTÉRPRETE NA SALA DE AUDIÊNCIAS
Marta e Miguel, ambos surdos-mudos, vão ter a seu lado um intérprete de “confiança” durante o julgamento.
ARLINDO: UM RAPAZ POPULAR
Engraçado e popular – foi assim que Augusta Amaral descreveu Arlindo quando foi ouvida pela PJ.
CM - 28-11-2007