Documento secreto sobre a prisão de Guantánamo publicado num site Wiki
14.11.2007 - 17h23 Romana Borja-Santos
Um
manual militar que descreve detalhadamente o dia-a-dia das operações
militares dos Estados Unidos na prisão de Guantánamo, em Cuba, foi hoje
colocado na Internet, num site dedicado a documentos confidenciais, o
wikileaks.org, que entretanto foi bloqueado. A descoberta foi noticiada
pela edição online da revista "Wired".O documento inédito
proporciona uma visão interna da base americana mais polémica, onde as
autoridades mantém presos centenas de suspeitos de terrorismo desde
2002. A maioria são afegãos e iraquianos, acusados de ligações aos
taliban e à Al-Qaeda, e cujas condições de detenção estão fora do
controlo internacional e põem em causa o cumprimento dos direitos
humanos.
O documento, com 238 páginas, chama-se “Procedimentos
Operacionais Standard do Campo Delta”, data de 28 de Maio de 2001, e
destina-se exclusivamente a uso oficial, como escreve a “Wired” na sua
edição online de hoje.
As páginas sobre o Campo Delta incluem
esquemas do local, listas detalhadas dos “confortos” proporcionados -
como um possível "presente" para alguns dos detidos que se traduz em
papel higiénico extra -, seis páginas com instruções sobre como lidar
com os recém-chegados, como manipular psicologicamente os prisioneiros,
assim como as regras para lidar com as greves de fome.
“O que me
surpreende é o nível de detalhe em cada uma das possíveis situações
delineadas, desde a admissão, ao barbeiro e aos enterros”, disse Jamil
Dakwar, advogado do programa de Direitos Humanos da American Civil
Liberties Union, em declarações à “Wired”. Dakwar esteve em Guantánamo
na semana passada para presenciar uma comissão militar.
Dakwar
vê indícios no Campo Delta da prisão iraquiana de Abu Ghraib, presídio
que se tornou internacionalmente conhecido por causa das torturas
infligidas pelos militares americanos aos presos iraquianos. A
instrução dada aos guardas para utilizar cães como forma de intimidar
os prisioneiros é apenas um dos exemplos.
Além disso, ainda de
acordo com a “Wired”, o advogado mostrou-se preocupado com a secção
sobre o Comité Internacional da Cruz Vermelha (ICRC), que indica que
alguns prisioneiros foram escondidos dos seus representantes nesta
organização. O manual hoje divulgado mostra o código militar aplicado a
cada detido e que diz respeito ao acesso que a eles pode ter a Cruz
Vermelha, dividido em quatro níveis: Sem Acesso, Acesso Visual, Acesso
Restrito (apenas podem ser feitas pequenas perguntas sobre a saúde do
detido) e Acesso Sem Restrições.
“Isto levanta inúmeras
preocupações sobre a genuidade da administração no que diz respeito ao
livre acesso permitido à Cruz Vermelha, como tinham prometido ao
mundo”, explicou Dakwar, acrescentando que esta organização é a única
que tem acesso aos detidos.
A ICRC não faz relatórios públicos
sobre as condições nas prisões e nos "gulags" do mundo, preferindo
relacionar-se de forma privada com os governos para os persuadir a
mudar as suas políticas.
O manual de procedimentos está assinado
pelo major-general Geoffrey Miller que, de acordo com os meios de
comunicação, introduziu meios de interrogatório severos em Guantánamo,
como colocar os detidos em posições de stress e explorar o medo que
possam ter de cães.
Miller visitou o Iraque em 2003 para
partilhar os métodos utilizados em Guantánamo. Pouco depois, surgiram
as polémicas fotografias de Abu Ghraib.
Autores anónimos
apologistas de uma forma de governação aberta criaram o Wikileaks em
Janeiro, com um sistema parecido à Wikipédia, com o objectivo de trazer
à luz documentos mais obscuros, que podem ser autenticados e analisados
pelos visitantes.